Você já deve ter se perguntado o que faria em uma situação hipotética. Aquela clássica pergunta de boteco “E se você tivesse que escolher entre….” e aí vem uma sinuca de bico. Ou então uma pergunta mais séria, quando resolvemos opinar na vida de alguém, julgando suas decisões e subestimando seus desafios, afinal de contas é sempre mais fácil “tomar uma atitude” para a vida de outras pessoas, aí sempre temos uma opinião.
Um exemplo muito prático disso é quando nos perguntam o que faríamos em um assalto. Minha mãe, uma pessoa muito medrosa e bem precavida, me ensinou a entregar tudo aquilo que tiver nos bolsos enquanto olho para baixo. Porém, quando mamãe foi assaltada discutiu, xingou e além de não entregar sua bolsa ainda fora desaforada com os marginais.
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É uma árdua tarefa nos colocarmos em uma situação futura quando não sabemos o misto de emoções e sensações que vão influenciar nossas decisões. Me lembro de dizer aos meus pais que nunca desistira deles ou da minha avó, que não importava o que fosse necessário fazer, eu o faria para tê-los ao meu lado. Foi aí que o destino aprontou. Vovó já tinha o diagnóstico de uma doença progressiva incurável, o Alzheimer, e estava hospitalizada em coma por conta de uma infecção que desencadeou a falência de alguns órgãos. Os médicos apresentaram o prognóstico pessimista e sugeriram a ortotanásia – medidas de conforto para que a minha avó pudesse descansar sem prolongarmos o sofrimento – e eu entrei em conflito com tudo o que eu acreditava antes disso.
Era fácil decidir que não, quando tudo o que passava na minha cabeça era a hipótese de uma decisão, e não ela de fato. Era unicamente decidir entre tê-la ao meu lado todos os dias, ou conviver com a saudade. Mas na hora em que nos pediram uma resposta, lá estava ela deitada, em coma, sem qualquer perspectiva de voltar para casa, e se um dia o fizesse, seria acamada, se alimentando e respirando com aparelhos. Não era mais uma decisão hipotética, era a vida real.
Talvez se você me confrontasse com esse cenário na vida de outra pessoa, minha resposta fosse outra, e muito provavelmente não precisaria de tanta reflexão, mas era a minha vida. A minha vó. A minha decisão.
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As lágrimas correram e não havia o que pensar, que direito eu tinha de exercer uma decisão tão egoísta de mantê-la ao meu lado a todo preço? A decisão estava tomada e ia muito além do certo e do errado. A sensação era de libertação e aprisionamento ao mesmo tempo, eu me acorrentaria à saudade enquanto ela se libertaria de um padecer em vida. Respeitei o que minha avó sempre disse, detestava hospitais e tinha pavor de depender de outras pessoas. Eu poderia cuidar dela pra sempre, Deus sabe o quanto eu queria chegar em casa sorrindo e dizer: TE AMO! Mas o que ela gostaria? Se estou na posição de guardião da sua dignidade, agora que ela não fala mais por si, não é justo tentar ao menos pensar como ela?
A vida me ensinou que nem todas as respostas devem estar entre o certo e o errado, entre o justo e o injusto. Em algumas situações vamos ter que nos render ao altruísmo ou ao egoísmo. Existem pessoas erradas respondendo perguntas certas. Não me responda o que você faria, contente-se apenas em não ter vivido essa decisão, e com sorte, nunca a conhecerá.