Não, não é o que você está pensando. Quer dizer, eu acho que não! Eu, o neto, jamais conceberia uma coisa dessas como uma realidade, muito menos algo tão acessível para os seus usuários. É emocionante, vem comigo que eu te explico.
Na Holanda, em uma cidade chamada Wheesp, bem pertinho de Amsterdam, há um bairro planejado chamado HogeweyK. Poderia ser um bairro normal, muito bem organizado e com uma arquitetura e limpeza invejáveis, mas é um bairro onde vivem apenas idosos com demência avançada. De cara você deve estar imaginando todas as complicações que isso poderia causar, mas vamos dar uma volta imaginária por esse lugar incrível e solucionar algumas dessas questões.
Quando falamos nesse “vilarejo” especial, falamos em liberdade. É de se imaginar que as pessoas usufruam dessa liberdade, e para isso o local conta com um absolutamente impecável serviço de segurança. A entrada e saída são religiosamente controladas e o local é inteiramente cercado, não como uma prisão, mas talvez como um sofisticado bairro planejado ou um condomínio. Lá dentro os idosos tem seu dormitório, mas podem circular livremente por todas as ruas, prédios e espaços compartilhados como mercados, restaurantes, cafés e estéticas.
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Bom, se há estabelecimento comercial, então há dinheiro e funcionários envolvidos, correto? Mais ou menos. Se você entrar no mercado de Hogewek não verá qualquer etiqueta ou valor. Os moradores, sozinhos ou acompanhados de seus visitantes, fazem tranquilamente suas compras e depois passam pelo caixa. A funcionária, assim como todos os outros funcionários do vilarejo, recebe um treinamento especial para atender idosos com demência, e isso a torna uma agente especial dentro desse processo. Assim como ela, camareiras, garçons e outros colaboradores com frequência tem outras formações. Na verdade não é absurdo encontrar uma psicóloga servindo café em um restaurante, ou um médico dando assistência para um idoso dentro do mercado.
Quem conhece o Alzheimer de perto sabe que com frequência enfrentamos momentos de agressividade, tristeza e agitação. Lá em Hogeweyk assistentes sociais treinados estão de plantão para ajudar a solucionar cada um desses momentos de conflito, fazendo algo positivo do que poderia ser um desastre.
Na mente de qualquer pessoa esse vilarejo vai na contramão do mundo, e um dos grandes motivos de um pensamento como esse é o fato de ser algo tão trabalhoso e complexo. O que as pessoas não pensam, é que esse é o último lugar que esses idosos um dia chamarão de LAR! Com demências incuráveis, a partir de sua entrada no vilarejo, é de conhecimento geral de familiares e funcionários que todos farão o possível para que esse idoso possa se despedir da vida nas melhores condições possíveis. Isso inclui qualidade de vida e dignidade, dois ingredientes escassos hoje em dia.
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Lá dentro você não encontrará paredes brancas e móveis hospitalares, mas no lugar disso papeis de parede clássicos e móveis de madeira que transformam o ar desse local em um verdadeiro lar. Todos os residentes podem participar de mais de 20 clubes e grupos como culinária, onde auxiliam no preparo de refeições trazendo o conceito de UTILIDADE ao idoso que ali vive.
Por estarem em um ambiente onde ninguém os trancará dentro de um quarto, os idosos automaticamente praticam mais atividades físicas, caminham mais e melhoram a qualidade de vida, a ingestão de alimentos, os transtornos de comportamento e aproveitam todas as estações do ano caminhando pelas calçadas da “cidade”.

Essa é Hogeweyk. Limpa, organizada e com um design lindo!
Agora pasmem, o lugar faz parte do sistema de saúde holandês, um valor pago por todos os holandeses ao longo da vida, e que facilita o acesso e ingresso em HogeweyK quando recomendado.
O grande mote do lugar em questão é: dar autonomia e liberdade para que nossos pais e avós possam se despedir com dignidade. Um espaço que une o urbano e o natural. Um lugar onde não serão contrariados os jogados de volta em uma realidade de luto. Um lugar onde se sentirão em casa e terão suporte 24 horas por dia. Não é o mundo real, mas para eles, é muito melhor.
Você deve estar maravilhado lendo essa matéria, mas devo assumir: escrevi todas as linhas com os olhos marejados de tristeza. Em todo o mundo já somamos mais de 30 milhões de casos de Alzheimer. Vivemos em um país que julga tantos casos de falha moral em políticos que roubam na casa do bilhão. Vivemos em um mundo de diferentes culturas, muitos avanços e incontáveis riquezas. Porém, vivemos no mundo onde 150 idosos usufruem de um sistema funcional onde é possível morrer com dignidade sendo quem são.
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Espero que vocês, assim como eu, acabem essa leitura com uma única pergunta em mente: o que eu posso fazer para mudar a forma como as pessoas que eu amo morrerão no futuro. É preciso falar em morte, todos passaremos por isso, e eu gostaria muito que minha avó pudesse ter se despedido da vida em um lugar tão incrível como esse.
Muito lindo seu trabalho, Fernando!
Obrigada.
Obrigado Alessandra! <3 Seja sempre bem vinda por aqui!
Leio tudo que vc escreve e sempre termino minha leitura ja aguardsndo a proxima…aprendo, me emociono e agradeço sempre por vc compartilhar sua vivencia e conhecimento conosco. Gratidão!
Muito interessante!
Um mundo onde a “liberdade” é possível ser vivada de uma forma digna, pelos nossos heróis da terceira idade “avançada”.
Parabéns pela matéria!
Sim, Fernando, tenho essa mesma inquietação, perguntas semelhantes na mente, e elas também vieram depois do Alzheimer da minha mãe. E seu trabalho tem me inspirado bastante nesse meu propósito.