Posso falar com propriedade, a gente complica muito aquilo que por essência já é bastante complicado. Ao invés de utilizarmos a criatividade a nosso favor na busca por alternativas, acabamos optando pela proibição, restrição e assim realçamos as limitações e fragilidades de quem amamos.
Se a sua avó é como a minha era então certamente o uso da televisão se tornou um grande problema. Algo que era bastante corriqueiro, como ligar o aparelho ou aumentar o volume, virou um bicho de sete cabeças, aí a vovó conseguia desconfigurar a televisão em sete segundos, trabalho que eu demorava uma tarde inteira para desfazer. O que muita gente faz? Tira o controle remoto do alcance do idoso, esconde ou até mesmo tira a televisão do quarto. Vou explicar o porquê essa é a pior alternativa.
Se o volume da sua televisão estiver muito baixo o que você vai fazer? E se começar “A Lagoa Azul” pela milionésima vez na sessão da tarde? Você provavelmente vai tatear ao redor, encontrar o controle da TV quase entrando no sofá e resolverá seu problema baixando o som ou trocando de canal. Isso vai levar alguns segundos – ou mais se o controle já tiver caído pra dentro do sofá. Sabe como é o nome disso? Autonomia, a capacidade de governar-se pelos próprios meios.
Mas CASO você não encontre o controle, você começará a ficar irritado, passados alguns minutos de uma busca incessante, você já começa a xingar as quatro gerações da família do beltrano que ocupou o sofá antes de você e finalmente recorre a ajuda de um ser superior que tudo sabe e tudo encontra – no meu caso, minha mãe.
Agora vamos mudar um pouco nossa perspectiva pois, para saber como lidar com um idoso com Alzheimer é preciso se colocar na mesma posição. Você não tem consciência da sua própria limitação. Não sabe do seu diagnóstico muito menos compreenderia a extensão de suas perdas. Na sua concepção não há diferença entre eu e você. O volume está muito alto e você inicia a busca pelo controle remoto, mas seus filhos o tiraram da sala, ou você desconfiguraria a TV outra vez, mas você não sabe disso. Você procura por algum tempo até que esquece aquilo que estava procurando, o que o deixa mais irritado. Agora duas coisas seguem te incomodando: o volume da TV e o fato de procurar algo que você não sabe mais o que é. Essas sensações e emoções permanecem por mais tempo na “memória” do que a própria razão delas. Ou seja, o volume seguirá incomodando por mais que eu não manifeste isso verbalmente.
“Ah, mas papai está na casa dele com os filhos, ele pode pedir que baixem o volume” Não dona, pensa comigo, SEU PAI TEM ALZHEIMER, isso significa que ele pode não reconhecer a casa ou seus familiares, entendendo que ele não tem intimidade pra se envolver em um assunto “da casa”, ou por decorrência do Alzheimer ele pode não saber verbalizar ou não conseguir expressar aquilo que o incomoda.

Um exemplo de controle para idosos
Aí o que vai acontecer? “Quero ir pra casa” e surtos de agressividade que culminam no uso irresponsável de medicamentos para dopar o idoso. Tirando o controle da TV você tira também uma autonomia que pode ainda dar valor a existência desse idoso, você ressalta a incapacidade dele.
USEM A CRIATIVIDADE e não se espantem quando a resposta for absurdamente simples como mumificar o controle remoto deixando apenas as teclas de ligar/desligar, volume e troca de canais disponíveis. Vou ser franco, funcionou por uns 5 dias até que vovó arrancou tudo e desregulou as configurações mais uma vez, mas aí eu refiz e durou mais três dias, depois mais uma semana, depois dez dias…
Outra ideia é o controle remoto pra idosos (tem vários modelos na internet), nele só há o essencial! Mas confira se há compatibilidade com a sua televisão antes de efetuar a compra.
Eu gastei uma cacetada em esparadrapos, mas economizei paciência, brigas, descontrole, uso irresponsável de medicamentos e muitas outras questões práticas que foram melhoradas.
Fica a dica, se ele perguntar o que há de errado com o controle sorria (linguagem corporal diz muito nessas horas) e invente algo tipo: deixei o controle cair e ele tá quebrado, só funciona assim, desculpa vó. Pronto, você driblou uma situação de risco emocional, parabéns!