Diariamente recebo via redes sociais notícias impactantes sobre o fim da doença de Alzheimer. Vocês devem lembrar de uma recente matéria que logo no título chamava a atenção: um médico finalmente havia REVERTIDO a demência mais comum ao envelhecimento humano. Será?
Infelizmente muitos acabam compartilhando o link por uma brevíssima leitura do título, outros alcançam o segundo parágrafo e os poucos que concluem a leitura não verificam fontes. Não são poucas as matérias mirabolantes sobre novos estudos, pesquisas em andamento e claro, os grandes resultado “alcançados” e as várias teorias conspiratórias. Afinal de contas, o que deve ser aceito e o que é uma manobra midiática rumo aos milhares de cliques e compartilhamentos?
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Até eu, que acabei imerso nesse universo sete dias por semana, me vejo confuso com tanto conteúdo que muitas vezes dialogam em direções opostas. Foi com a intenção de sanar boa parta das minhas dúvidas e com o intuito de contribuir para o conteúdo de qualidade que fui atrás de uma das grandes referências no Rio Grande do Sul, o pesquisador e professor Dr. Eduardo Zimmer. Participante ativo nos maiores eventos mundiais sobre o assunto, Zimmer esclarece um pouco do cenário atual na busca por novos tratamentos.
Curioso? Então confira o nosso bate-papo e atualize suas referências. Temos boas notícias pela frente!
Muita gente vem comentando sobre uma possível REVERSÃO da doença de Alzheimer. Embora a frase gere impacto, é justamente o termo utilizado pelos veículos de comunicação. Afinal de contas, existe algum processo de REVERSÃO da demência de Alzheimer hoje sendo considerado?
Existe uma grande busca por fármacos (“remédios”) que consigam modificar a progressão da Doença. Neste sentido, existe um consenso na comunidade científica que a melhor estratégia é conseguir identificar a doença antes da fase sintomática, o que chamamos de “fase pré-clínica”, e conseguir impedir o aparecimento dos sintomas. Atualmente, não existem evidências clínico-científicas de reversão do quadro da doença em estudos controlados.
Quais são os estudos mais promissores hoje em dia sobre a doença?
Existem dois anticorpos monoclonais chamados aducanumab e BAN2401. Estes anticorpos “atacam” as placas de beta-amiloide (grumos insolúveis presentes no cérebro de pacientes com a doença de Alzheimer). Entre eles, o aducanumab já está em estudo e fase clínica III (última fase antes de ser comercializado). Os dados preliminares com o uso de aducanumab são bastante encorajadores, pois a utilização do anticorpo parece impedir o aparecimento dos sintomas (em pacientes tratados na “fase pré-clínica”).
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Os esforços dos pesquisadores estão mais direcionados para uma prevenção mais sólida ou um processo curativo da demência?
A grande busca da comunidade científica atual é por um diagnóstico precoce. Atualmente, existem técnicas refinadas para avaliação de marcadores biológicos (chamados na área biomédica de “biomarcadores”) que conseguem identificar características da doença de Alzheimer em pacientes assintomáticos. Um protocolo de diagnóstico precoce possibilitaria uma janela temporal para um tratamento preventivo. Neste sentido, sugere-se que cerca de 35% dos casos de Alzheimer podem ser evitados com intervenções não farmacológicas como: atividade física, convívio social, redução de tabagismo, tratamento de condições neuropsiquiátricas, estimulação cognitiva, controle da diabetes e da obesidade.
Há mais de dez anos nenhuma nova droga é aprovada para o tratamento do Alzheimer, o ano de 2018 trouxe algum grande resultado para o universo das demências?
A grande maioria dos estudos clínicos falharam nestes últimos anos. Entretanto, o estudo com aducanumab tem expectativa de finalização para 2021. Se os resultados forem positivos, poderemos ter um novo medicamento aprovado em cerca de 3-4 anos.
Os esforços na busca por uma reversão da doença estiveram por anos focados na eliminação da proteína beta-amilóide. Pode-se dizer que esse resultado já foi alcançado? A eliminação dessa proteína trouxe algum efeito positivo ou o resultado gerou frustração no meio?
Inicialmente gerou muito frustração pois os pacientes tratados com medicamentos contra a proteína beta-amiloide já estavam em fase avançada da doença. Entretanto, o tratamento anti-BA parece ser efetiva em indivíduos portadores de beta-amiloide no cérebro porém assintomáticos.
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A estimulação cerebral por pulsos eletrônicos já mostrou algum resultado em estudos sobre Parkinson. Pode-se dizer que o Alzheimer tem tido resultados nessa mesma direção?
A estimulação cerebral profunda (do inglês deep brain stimulation, DBS) é uma realidade na doença de Parkinson já há alguns anos. O DBS é aprovado pela grande maioria das agências regulatórias mundiais. Apesar do procedimento neurocirúrgico ser invasivo, pois requer a colocação de um eletrodo dentro do cérebro, os pacientes recuperam os movimentos finos. Na doença de Alzheimer, os estudos com DBS ainda são bastante preliminares. Atualmente, não se pode afirmar que o DBS conseguirá tratar pacientes com Alzheimer. Neste sentido, mais estudos ainda são necessários.
Há alguma boa expectativa de cura para a doença nos próximos 30 anos?
O avanço no entendimento dos mecanismos patológicos que governam a progressão da doença de Alzheimer dos últimos anos tem sido bastante promissor. A termo cura ainda parece distante, entretanto existe a esperança de fármacos modificadores do curso natural da doença como o aducanumab. Desta maneira, novos fármacos que consigam impedir o aparecimento dos sintomas podem mudar completamente a situação atual e garantir que indivíduos na fase assintomática da doença se mantenham sem sintomas durante toda vida.
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* Eduardo Zimmer é graduado em Farmácia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, mestre em Bioquímica/UFRGS, Doutor em Bioquímica/UFRGS e atualmente atua como Professor Adjunto no Departamento de Farmacologia da UFRGS e pesquisador associado do Instituto de Cérebro do Rio Grande do Sul (InsCer) e membro afiliado (AFN995) da McGill University no Canadá.