Você que acompanha o site diariamente e faz parte da família já deve ter estranhado nossa coluna gastronômica.
Faz algum tempo que em uma conversa com a ex participante do reality show MasterChef Brasil, a chef Taise Spolti, surgiu a ideia de lançarmos uma coluna com receitas funcionais práticas e mais saudáveis que um hambúrguer de cheddar com bacon (gosto, por sinal), mas ainda assim saborosas para preservar o prazer de comer algo gostoso.
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Muito embora eu nunca tenha recebido uma mensagem tipo: “Fernando, cê bebeu? Que diabos tem a ver cogumelos salteados com Alzheimer? É simpatia pra sarar? Vou tentar aqui em casa!” , resolvi mesmo assim criar uma coluna no meu espaço explicando um pouso essa ideia, e de quebra já vai ser um grande gancho para abordarmos um desafio – normalmente problematizado pelo familiar – de quem convive com o “alemão”.
Muito se fala sobre virarmos pais de nossos pais e avós durante suas velhices particulares – digo particulares pois cada caso traz diferentes necessidades, disposições e desafios, a velhice de cada um é como se fosse sua impressão digital: impossível encontrar uma igual a outra). Quando ouvimos o termo PAIS acabamos automaticamente transferindo nossa função pra uma fase da vida que não nos pertence. Não é mentira dizer que nosso cuidado, zelo e dedicação se assemelha a de nossos pais conosco durante nossa infância e criação. É justo dizer que vamos ter que entrar em assuntos que remontam essa fase como o uso de fraldas ou então o auxílio para caminhar, desempenhar tarefas básicas como a higiene pessoal e até se alimentar. Coisas que todo pai está acostumado com seus filhos, e que talvez em algum momento da vida de seus pais se faça necessário.
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Porém, agora que entra o auto boicote, não estamos criando nossos pais e avós para a vida, assim como fizemos ou faremos com nossos filhos de verdade. A filosofia do cuidado é a mesma quando entramos no campo sentimento, mas muda muito quando desbravamos mais a fundo nossas funções. É necessário ter tato para entender que somos pais diferentes, pois estamos criando nossos filhos para a fase final da vida. Os criamos para morrer da melhor forma, essa é a dura realidade.
ATENÇÃO: PROFISSIONAIS DA SAÚDE ESTÃO PROIBIDOS DE LER DAQUI PARA BAIXO! Spoiler de irresponsabilidade de um neto dedicado.
Os pais estão acostumadíssimos a controlar a ingestão de certos alimentos ligados ao prazer da infância, como frituras, refrigerantes, doces e etc. Alguns até proíbem de vez! Ótimo! Estamos criando pessoas para viverem mais oitenta anos de vida com qualidade, e isso passa pela responsabilidade dos pais em alertar e proibir certos hábitos que se criam já na infância. Quando somos colocados frente à velhice de nossos pais buscamos intensificar esses cuidados, já que em nossas mentes se os proibirmos de fumar ou comer besteiras agora que estão em nossas mãos por alguma incapacidade, talvez vivam um tempo a mais, talvez dias, mesmo que acamados. A grande questão e a mais altruísta delas é: o que eles gostariam? Os estamos preservando a qualquer custo por não estarmos preparados para a despedida? Ou seria então um abuso de zelo justificável para quem ama?
A realidade, meus amigos, quando se trata de Alzheimer é uma só: na fase final de doença, que pode se arrastar por anos, nossos queridos pais e avós não vão mais caminhar, conversar ou comer como gostariam. É nessa fase que apresentam dificuldade ou até incapacidade para engolir os alimentos sólidos e pastosos, a aspiração de alimentos que pode evoluir para um quadro de infecção respiratória e por aí vai…
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Sempre que eu pensava em proibir vovó de fumar – já que era sua única lembrança constante e conexão com seu passado -, comer batatas fritas ou tomar sorvete, eu pensava por quanto tempo ela ainda poderia caminhar a procura de sua carteira de cigarro, pegar a batata frita entre os dedos e assoprar antes de colocar na boca, ou sentir o geladinho do sorvete de creme, seu favorito.
Isso sem contar nas maravilhosas lembranças de tardes em que sentei com vovó, abri uma cerveja ou vinho, servi dois copos e vi o sorriso sapeca no rosto dela antes de dizer: eu não posso, eu tomo remédio. E a minha satisfação em responder: meio copo pode sim. Então a gente brindava e ria.

Como eu amo! Que saudade. Vó, a gente brindou junto, e eu sempre vou me lembrar disso, eu prometo.
Alguns prazeres são tão, tão, tão pequenos que não conseguimos enxergar até que alguém os esfregue em nossa cara. Não é só pelo gosto do hambúrguer, mas o prazer de segurá-lo com suas próprias mãos e decidir como saboreá-lo. Se a minha avó vai viver mais dez dias deprimida se eu tirar o cigarro dela, prefiro que ela viva menos vinte dias mas alegre, da forma como escolheu vivê-los durante toda a sua vida depois de fumar por mais de 60 anos. Amigos, o Alzheimer não é o momento de proibir tanto quanto imaginamos, mas talvez de ponderar e flexibilizar os cuidados. A fase final da vida é muito dura para alguns, e esses pequenos prazeres vivem uma contagem regressiva para que se extinguam de vez. Somos pais sim e temos nossas responsabilidades, mas também somos um pouco avós e podemos dar aquilo que os pais não dão.
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Essa é, minha querida família, a razão para que eu tenha convidado a chef Taise Spolti para colaborar com receitas saborosas, saudáveis e funcionais. Lógico que tudo necessita um ponderamento e todo exagero é prejudicial, mas com qual gosto vocês gostariam de encerrar a grande jornada de suas vida?
Obs.: Consulte SEMPRE um nutricionista antes de mudar, proibir ou radicalizar a dieta de um idoso com Alzheimer. Em transições de fases da doença algumas dificuldades se instalam e os cuidados se intensificam, estejam alertas para aspirações, soluços em excesso, crises de tosse durante as refeições, engasgos e inibição de apetite. Procure um médico na apresentação desses sintomas, no mais APROVEITE OS PRAZERES DA VIDA!