Desde que uma amiga médica me comentou brevemente sobre a Forest Medicine, área que estuda um tratamento imersivo com pacientes em um contexto natural, fiquei com o termo rondando meu subconsciente. Abri algumas pesquisas pelo Google mas por semanas as páginas seguiram abertas e sem leitura.
Em minha cidade natal, Porto Alegre, não posso reclamar ausência de natureza ao meu redor. Meu bairro é rodeado de parques e praças, a cidade é relativamente bem arborizada e estou a curtas distancias de carro de boas paisagens, campos bucólicos, praias e canyons pouco conhecidos mas de magnitude fantástica. Porém foi em Dublim, durante minha estada como Fellow do Global Brain Health Institute que criei um hábito que muito fará falta no meu retorno para casa.
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A capital Irlandesa guarda um dos maiores parques urbanos da Europa. São mais de 11 km e 700 hectares por onde é possível caminhar e mudar a paisagem entre uma quase densa floresta de pinheiros com esquilos pulando de galho em galho, lagos repletos de patos e cisnes ou extensos campos com vista para as montanhas Wicklow. O Phoenix Park guarda muitas surpresas em uma caminhada matinal, e além de paisagens fantásticas e relaxantes o parque ainda mantém livres mais de 500 cervos e 70 espécies de aves.
Foi caminhando por lá que no último domingo que passei a refletir sobre o termo Forest Medicine e me questionar os efeitos de um contato direto e imersivo com a natureza na química de nosso corpo.
O propósito da Medicina da natureza surge associado a redução de estresse dentre outros fatores que influenciam nosso corpo e mente. Aspectos de quadros como depressão podem ter seu impacto negativo revertido positivamente graças a combinação de todos os nossos sentidos em sua maior sinergia.
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A ciência nascida no Japão não visa ser a cura, mas um tratamento complementar para a medicina ocidental e, muito provavelmente, parte significativa de processos preventivos, já que inclui em sua adesão mudanças significativas em seus hábitos cotidianos e crenças estabelecidas.
De acordo com Tara Tiger Brown, certificada em Forest Medicine, em matéria escrita para o portal MEDIUM, a ciência pode influenciar positivamente por três componentes complementares:
- Físico: temperatura do ar, umidade, sons…
- Químico: componentes orgânicos.
- Psicológico: por uma avaliação subjetiva dos componentes da natureza.
Muito mais que um passeio em meio ao verde, a proposta te faz desbravar todos os sentidos humanos, da audição ao toque, do paladar ao olfato, todos canalizados por ingredientes de fácil acesso e baixo custo, mas muitas vezes desacreditados pela cultura e escola médica do ocidente.
Como efeito é possível ver a queda dos hormônios ligados ao estresse, a supressão do nosso sistema de alerta, a melhora de nosso equilíbrio emocional, redução da pressão sanguínea e a melhora de nossa frequência cardíaca. O tratamento e ‘roteiro’ a ser seguido surgem a partir de uma combinação de análise objetiva e subjetiva, juntando aspectos de ambas escolas ocidental e oriental, para depois surgir com perguntas certas a serem respondidas pela abordagem holística: Quantas horas? onde? objetivo?
A avaliação pode parecer mais subjetiva do que assertiva para muitos, mas devolve ao indivíduo a autonomia e avaliação de seu próprio estado de melhora. Seu humor. Seu sono. Suas emoções. Até mesmo sua felicidade. Mas talvez o campo de maior estudo, e onde se espera grandes resultados, seja na melhora de nosso sistema imunológico. Funciona quase como uma blindagem natural que pode servir como prevenção para condições das mais simples ao que um dia pode se comprovar o mais complexo.
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Tudo é regulado pela INFOM – International Society of Nature and Forest Medicine – onde Tara Tiger Brown buscou por imersão após descobrir na medicina alternativa a solução para boa parte de sua ansiedade. Em trecho retirado de seu artigo, Tara explica mais detalhadamente os sentidos envolvidos na terapia.
Visão
Os padrões na natureza podem reduzir nosso estresse em 60%. Somos visualmente fluentes nos padrões da natureza e, porque somos bons nisso, isso nos relaxa. As cores verde e azul nos confortam. Em um nível primordial, associamos verde com água próxima e uma fonte de alimento. Olhar para a natureza pode aumentar nossos níveis de citocinas anti-inflamatórias – proteínas que dizem ao sistema imunológico que trabalhe mais.
Audição
Os sons da natureza que os humanos tendem a gostar mais são água, vento e o canto dos pássaros. As pessoas são mais sensíveis a sons entre 2.500 e 3.500 Hertz, que é o mesmo intervalo em que os pássaros cantam. Há evidências de que os seres humanos estão perdendo sua capacidade de ouvir sons da natureza devido à poluição sonora e uso de fones de ouvido, e é por isso que você não deve usar fones de ouvido ao passar o tempo em um ambiente natural ou em um espaço verde.
Gosto
No contexto do ‘banho na floresta’ – nome dado a essa imersão – o sentido do paladar está associado principalmente à ingestão de alimentos selvagens (alimentos da floresta). Alguns dos alimentos consumidos durante uma experiência de banho na floresta no Japão incluem vegetais da montanha.
Olfato
50% dos resultados positivos do banho na floresta vêm dos cheiros que você absorve. Geosmin é um composto químico que confere à beterraba, alface e cogumelos um sabor de terra e contribui para o perfume chamado petrichor – quando a chuva cai após um período seco e os óleos armazenados em solo e rochas são liberados no ar – o cheiro liberado nos primeiros minutos da chuva. Os seres humanos são muito sensíveis ao Geosmin e podem detectá-lo até em níveis baixos, porque foi o produto químico que nos ajudou a encontrar comida. Os franceses chamam isso de terroir ou sabor da região em referência a vinho, queijo e chocolate.
Os cheiros dos banhos florestais japoneses incluem cipreste branco, madeira de hinoki, alecrim, cedro, eucalipto e pinheiro.
Toque
A Terra possui cargas elétricas naturais de baixo nível que são benéficas para nós. Evoluímos na natureza e temos uma necessidade biológica de nos conectar a ela, e ainda assim colocamos uma camada entre nós e a natureza usando sapatos e pavimento. O Mycobacterium Vaccae é uma bactéria que ocorre naturalmente no solo e pode estimular nosso sistema imunológico e aumentar a felicidade. Quando você cava na terra ou come vegetais arrancados do chão, você ingere M. Vaccae.
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Estado de espirito
Caminhar na floresta dá um descanso aos nossos recursos mentais; isso limpa nossa mente e nos ajuda a pensar. Podemos nos lembrar 20% a mais quando damos um passeio entre as árvores em oposição à cidade. Aumenta nossa capacidade de resolução de problemas e aumenta nossa criatividade em 50%.
Hospices por toda a Europa tem desinstitucionalizado ambientes hospitalares para oferecer mais dignidade ao paciente que se despede em fase terminal e incurável. A grande questão é: Por que temos que ter dignidade quando não há mais cura, enquanto em ambientes que visam promover a melhora de condições possíveis essas mesmas características são negadas?
Atravessar a porta de um hospital é sempre estressante, e isso se estende aos profissionais que trabalham com vida e morte dentro de um intervalo curto de tempo, curto até mesmo para lidarem com suas próprias emoções envolvidas no processo. Quando colocamos o Alzheimer em discussão, o grande redemoinho de emoções envolvendo familiares e idosos diagnosticados com a demência ocorre com alterações de comportamento. Agressividade, perambulação, tristeza, apatia, ansiedade. Muitas dessas manifestações diárias da doença acabam sendo – desnecessariamente – tratadas com a adição de mais comprimidos no receituário do paciente, o que pode trazer complicações e os levar a um estado letárgico de indiferença e desorientação extrema.
São diversos os residenciais de idosos pelo mundo que trabalham com adição de natureza no cotidiano desses idosos. Até mesmo paredes adesivadas com árvores e flores podem trazer algum alívio visual com influência positiva na ansiedade, mas muitos vão além e trazem plantas, árvores e até animais para dentro da instituição.
Os familiares não ficam para trás e também herdam benefícios do “greening” (natureza em ambientes urbanos). O que você prefere sendo uma familiar de um paciente internado, caminhar por corredores agitados e de paredes brancas ou em meio a palmeiras e orquídeas? Será que o seu próprio processo de administrar o que está acontecendo e aceitar um diagnóstico não poderia ser mais brando se houvesse um espaço reservado para uma reflexão clara e sem a agitação efêmera de um corredor hospitalar?

Hospital em Singapura
Quando uma empresa de engenharia foi contratada em Singapura para construir um hospital, uma diretriz os foi dada: um ambiente que pudesse baixar a pressão sanguínea de seus visitantes. O Khoo Teck Puat Hospital trouxe a filosofia de “patient friendly” para a prática junto com diversos aspectos atrelados ao convívio com a natureza, seja ele estético e visual, seja na filtragem de toxinas do ambiente hospitalar, seja na redução do estresse e da ansiedade ou então na camuflagem dos odores químicos do hospital. Há inclusive uma horta gigante na cobertura do prédio provendo alimentos orgânicos para os pacientes internados.
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Em Cincinnati, USA, o Christ Hospital Joint & Spine Center inaugurou duas áreas de relaxamento em sua cobertura, ambas contém pergolados, bancos, plantas, fontes e uma vista incrível que tem sido utilizada não só por familiares e pacientes, mas também no manejo do estresse cotidiano de médicos e das equipes internas.
Talvez uma grandes ferramentas para lidar com um mal latente seja o óbvio. Por que não combater a ansiedade em hospitais e clínicas com o verde escasso na selva de pedra? Um casamento entre a visão holística e a medicina ocidental podem ajudar a promover uma melhora de nossa capacidade curativa e preventiva se pudermos combina-las de forma efetiva.