Pelo menos 700 pacientes devem participar desse estudo, em 19 países. No Brasil, são sete instituições envolvidas, sendo a maioria hospitais vinculados a universidades federais. Só a clínica de Vasconcellos e uma outra, em São Paulo, são particulares – os voluntários, no entanto, não têm custo algum se quiserem testar a tal “vacina” durante um período de dois anos, fora um terceiro, de acompanhamento de resultados. Se tudo der certo, a droga pode chegar ao mercado lá por 2022, no melhor dos cenários. Mas ainda é cedo para cantar vitória, diz o médico.
“Apesar dos milhões de dólares investidos, nenhuma [tentativa] vingou. Este ano, por exemplo, um estudo de fase 3 de um anticorpo monoclonal foi concluído e, mais uma vez, não funcionou. É um campo de estudos frustrante porque você tem uma série de insucessos”, pondera.
O estudo ainda deve ficar aberto para recrutamento de voluntários por mais dois meses. Ao Metrópoles, o médico falou sobre a droga, possíveis cenários e por que o mal de Alzheimer é inimigo ferrenho da medicina.
Qual o impacto do mal de Alzheimer sobre a saúde da população?
A questão mais relevante, não só no Alzheimer, mas em todas as doenças que causam demência, é o envelhecimento populacional do mundo. E isso é um fenômeno global. Portanto, vai se tornar cada vez mais frequente. Estatísticas norte-americanas mostram que quatro em cada 10 americanos com mais de 80 anos têm demência. Isso é preocupante. E todas as síndromes demenciais estão aumentando em países que estão em processo de desenvolvimento agora. Elas têm crescido assustadoramente em nações como Índia e Brasil.
Existe uma explicação lógica para isso?
Somente 20% dos pacientes têm a doença por algum fator genético. A maioria é por estilo de vida, e o que seguimos hoje em dia é bastante suscetível a desencadear patologias neurodegenerativas: alimentação muito rica em carboidratos, sedentarismo, hipertensão não controlada, diabetes. O Brasil hoje é o quarto país do mundo em casos de diabetes, e há perspectiva de se tornar o terceiro em 2025, em número absoluto de pessoas.
Pela sua prática em geriatria, o Alzheimer é a doença que os pacientes mais temem?
Indiscutivelmente. Num levantamento populacional feito há 10 anos, perguntou-se qual a patologia que as pessoas tinham mais medo de ter, se era o câncer ou Alzheimer. A imensa maioria respondeu a segunda opção.
Qual é a faixa etária de maior risco?
A incidência é associada ao envelhecimento. Existem raríssimos casos de Alzheimer precoce, que representam 0,05%. A imensa maioria [dos pacientes] tem mais de 65 anos, e os diagnósticos são quase sempre em indivíduos com mais de 75. Com relação ao temor, é porque, entre outras coisas, não temos tratamentos efetivos. Para outras patologias, como o câncer, você já vê tratamentos com resultados muito bons. No caso do Alzheimer, infelizmente todos os fármacos de que dispomos hoje são pouco efetivos, e mais de um quarto dos pacientes não responde a nenhum.
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São antigos?
Muito. Nenhum dos disponíveis hoje tem menos de oito anos de aprovação. Somando-se os anos de estudo aos processos de aprovação de autoridades sanitárias, essas drogas foram investigadas nas décadas de 1980 e 1990.
O senhor avalia que o arsenal terapêutico disponível hoje é limitado?
Bastante. E, infelizmente, frustrante. Nós gostaríamos de oferecer muito mais a um paciente de Alzheimer, porque o sofrimento é de toda família.
Você não trata um doente. A família adoece junto. O cuidar de um paciente com demência é um estresse muito grande“
Mesmo com as terapias disponíveis hoje, eventualmente esse paciente vai evoluir para um estágio de demência grave?
Elas apenas retardam a perda. Não existe nenhum medicamento que cure nem que estabilize isso. O que seria rápido vai demorar mais para acontecer. Isso gera ainda uma discussão ética grande, porque você está prolongando uma vida com baixa qualidade e alto custo social – e econômico e financeiro, também. Hoje nós temos pacientes com 15 anos de tratamento. Antes, as pessoas faleciam com cinco ou seis anos de evolução da doença.
Como se situa hoje, dentro da ciência e da medicina, a “batalha” contra o Alzheimer? Ela é comparável à briga contra o câncer, por exemplo, que move laboratórios e cientistas?
O prognóstico para a doença de Alzheimer é muito mais sombrio que o oncológico, porque os recursos para o tratamento de câncer nos últimos anos, felizmente, proliferaram. Você tem várias drogas novas. Sabe há quantos anos não se aprova uma droga nova para Alzheimer? Há 12 anos. A última, a memantina, é do início dos anos 2000.
Por quê? Não há investimento?
Porque não se chegou a drogas efetivas. Apesar dos milhões de dólares investidos, nenhuma vingou. Este ano, por exemplo, um estudo de fase 3 de um anticorpo monoclonal foi concluído e, mais uma vez, não funcionou. É um campo de estudos frustrante porque você tem uma série de insucessos. Por outro lado, é desafiador.
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A que o senhor atribui tantos fracassos?
À etiologia multifatorial da doença. Não existe uma única causa. Sabemos como as proteínas (tau fosforilada e beta-amiloide, biomarcadores da síndrome) ficam, mas parte do gatilho ainda é desconhecida. É raro a doença de Alzheimer genética, por exemplo. Mas, nesse caso, além de ter o gene, eu preciso sofrer a mutação. Por que alguns indivíduos têm o gene e não sofrem a mutação? Por que algumas pessoas sedentárias, fumantes, hipertensas e diabéticas não desenvolvem a doença, e outras com o mesmo perfil, sim? Como temos múltiplas causas, é mais difícil ter uma resposta satisfatória para tudo isso.
O que seria “satisfatório”, dentro desse cenário?
Estamos conduzindo agora um estudo para fase inicial, e está na Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, ligada ao Conselho Nacional de Saúde] um segundo estudo de outro produto diferente, também para fase inicial. Há hoje um interesse muito grande em impedir que a doença evolua ainda precocemente.
E temos alguma coisa já promissora nesse sentido?
Os anticorpos monoclonais, a terapia com drogas biológicas. Existem atualmente 13 moléculas diferentes entre as fases 2B e 3 de estudos. Dessas, há possibilidade de quatro estudos serem iniciados no Brasil, ainda neste ano. O que é animador, porque quanto mais forem testadas, maior a possibilidade de se chegar a uma que seja efetiva.
O crenezumabe é uma delas?
Sim. As outras estão aguardando aprovação. Duas delas têm mecanismos de ação parecidos. Ele tem mais de 99,7% de células humanas. O risco de rejeição é menor. Não é isento de efeito adverso, mas é supostamente mais seguro em termos de efeitos colaterais. Supostamente.
Como ele atua?
No processo inicial de redução da proteína beta-amiloide e, teoricamente, impedindo que a doença evolua para um estágio de perdas progressivas neuronais. Por isso, caso aprovado, seria ideal para os primeiros momentos de manifestação da doença. Os tratamentos atuais que temos são os anticolinesterásicos, que são focados em tratar as consequências do processo biológico que leva à doença, e não o processo em si. O foco dos imunobiológicos é inovador, no sentido de se tentar uma via prévia ou no início do quadro neurodegenerativo.
Indo na raiz do problema?
Quase na raiz, porque estamos longe de ir à raiz, ainda.
O termo “vacina” dá a impressão de se tratar de uma prevenção da doença…
Não, isso é equivocado. É pelo fato de serem drogas injetáveis. Esse imunobiológicos, infelizmente, não podem ser encapsulados. E as pessoas imaginam uma vacina. O conceito de uma vacina é pegar o vírus e inoculá-lo, para que o organismo produza a defesa. Não é esse o conceito do crenezumabe. Essas drogas imunobiológicas vão agir numa reação química, impedindo ou minimizando o seu dano no organismo.
Participar de pesquisas clínicas soa como algo inacessível à maior parte da população. Como se tornar paciente voluntário de um estudo como esse?
Pelo contrário. A ideia é dar o máximo possível de acesso às pessoas. Esses estudos todos têm um orçamento, por isso o paciente não tem custos. É preciso apenas que ele tenha os critérios para participar do estudo. O paciente tem que procurar um centro de pesquisa ou ser encaminhado por um médico. A segunda alternativa é mais comum. Eticamente, eu não posso propagar a pesquisa. Não se anuncia pesquisa. Você pode oferecê-la, e as pessoas interessadas a procuram.
Sabe como posso inscrever minha mãe para testes em São Paulo?
Infelizmente não tenho essa informação =//