Conheci o Seu Raul quando trabalhava como Arteterapeuta em um residencial de idosos aqui na cidade de São Paulo. Mesmo com o Alzheimer já avançado, ele gostava de participar dos encontros de Arteterapia e eu, humildemente pensava em estratégias que fossem eficazes para atingir aquele sujeito ali perdido na doença.
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Seu Raul quase não falava mais, mas me recordo bem o quanto ele cantarolava a música “As rosas não falam” do imortal Cartola. Até hoje, ao escutar esta música, sua imagem vem à minha mente e fico pensando em quão eficazes são a música e a Arte nas demências.

Cachorrinha Nina, minha companheira por anos!
Sua cuidadora contava um pouco sobre aquele sujeito e eu, com atenção, ouvia sobre sua história de vida e afetos. Soube que seu grande companheiro de vida havia sido um pastor alemão que o acompanhou por muitos e muitos anos na condição de melhor amigo. Eu, ‘cachorrenta’ que sou, entendo esse tipo de amizade como a mais pura expressão do amor que uma pessoa pode viver. Tive a sorte de ter como companhia a doce Nina por quase 18 anos. Quando minha cachorra partiu, algo em mim parecia ter morrido também, e com o tempo fui percebendo seu amor em forma de presença constante em meu coração. A morte não interrompe amores deste tipo. Jamais.
Quando for muito velha, seja lá qual velhice for a minha, saberei reconhecer o amor aprendido com sua companhia.
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Ao encontrar Seu Raul, com esforço pensávamos juntos em paisagens que fizessem sentido à ele e ao seu amigo. A História da Arte está repleta delas e com o auxílio de copiadoras de imagens, imprimíamos diversas cenas para ele interferir com colagens.
Ao entregar ao Seu Raul diversos retratos de cachorros Pastor Alemão algo dentro dele parecia ascender. No trabalho com demência é fundamental encontrar meios de tocar aquela pessoa. É preciso achar algo que faça sentido. Os afetos são inabaláveis e por mais avançado que esteja o Alzheimer, o bem querer sempre fará parte da constituição do sujeito, mesmo que a doença impeça sua expressão.
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Na minha vida tive a companhia da Nina como presente assim como Seu Raul teve a companhia do seu amigo Boris. Penso que ao trabalhar com idosos com demência, uma boa pergunta a se fazer é: Qual o maior presente que a vida te deu?
A resposta deverá servir como tema de intervenção. Afetos vividos, às vezes camuflados pelo Alzheimer, podem ser revividos mesmo que de maneira sutil. A Arteterapia é um caminho a ser percorrido. Enquanto houver vida, ainda haverá percurso.
Inesgotável a vida! Imensurável o amor!
Para os Rauls, Josés, Marias e Elzas e tantos outros: Um afeto? Qual seu maior presente?